terça-feira, 8 de novembro de 2011

Cuidado Com os Burros Motivados

Hoje vou postar uma entrevista muito interessante que sei, despertarão muitas reflexões.
Pelo menos eu espero ...

Essa é uma entrevista realizada pela Revista Isto É, com o médico psiquiatra Dr. Roberto Shinyashiki.
O texto é um pouco longo, mas vale a pena dedicar uns minutinhos a ele.

 ISTOÉ - Quem são os heróis de verdade?

 Roberto Shinyashiki - Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro  importado, viaja r de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas  deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares  de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são  tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida,
 a maioria se convence dej que não valeu a pena porque não conseguiu ter o
 carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça
 que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de
 pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que
 trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os
 outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

 ISTOÉ - O sr. citaria exemplos?

 Shinyashiki - Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro  miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis.  Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito "100% Jardim Irene". É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima  da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido,mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado,  mas o faz se sentir seguro.

 ISTOÉ - Qual o resultado disso?

Shinyashiki - Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer
preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês,
informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única
coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a
desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a
infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão
discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo
corporativo.

ISTOÉ - Por quê?

Shinyashiki - O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar
pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing
pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência.
Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas
as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia
demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como
falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até
porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações
públicas. Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não
passaria da primeira etapa.


 ISTOÉ - Há um script estabelecido?
>
Shinyashiki - Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um Presidente
 de multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu defeito?" Todos
 respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu mergulho de
cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar". É exatamente o que o Chefe
quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser organizado
ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma
forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do
poder. O vice-presidente de uma as maiores empresas do planeta me disse:
"Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir". Isso
significa que quem fala a verdade não chega a diretor?

ISTOÉ - Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se
preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se
preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o  maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há  muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da
faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou
incompetente e não acordou para isso.

ISTOÉ - Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki - Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que
os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o
ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta
para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem
nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem
que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes
para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que
preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem
pose de que está tudo bem.
ISTOÉ - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos
em tudo e de valorizar a aparência?

Shinyashiki - Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando
os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O
técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles
não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando você
quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com
uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham". Pode
parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela
certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que
não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o
super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTOÉ - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?

Shinyashiki - Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A
gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de
errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque
acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será
positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é
delas.

ISTOÉ - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer
essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz
minha vida fluir mais facilmente. Há várias coisas que eu queria e não
consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho
mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma
criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou
massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse.
Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto
foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não deu
certo. Um amigão me perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?" Eu
respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTOÉ - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?

Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas
cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é
precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é
buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso
desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno.
Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os
MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas
próprias potencialidades.

ISTOÉ - Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?

Shinyashiki - A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras
da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se
ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: Você tem de
estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que
puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura:
Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito certo não existe. Não há
um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o
sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um
estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não
casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do
casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a
família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo a
praia ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em
hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez
pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior
parte pega o médico pela camisa e diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me
sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser feliz". Eu
sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a
felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se
arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, mas sim de
ter esperado muito tempo ou perdido várias oportunidades para aproveitar a
vida.

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